domingo, 17 de janeiro de 2010

Risco sem perda

Como todo brasileiro, joguei na mega-sena do fim de ano. Aquela que sorteou mais de R$ 100 milhões. Não que eu acredite que vá ganhar algum dia com esse troço. Mas sabe como é, todos os meus amigos jogando, bolão pra lá, bolão pra cá... como diz o provérbio castelhano, "no creo en brujas, pero que las hay, las hay". Bem, acertei as 6 dezenas... em 6 cartões diferentes. Às vezes penso que as regras desse jogo são um tanto injustas.

Em casa, as crianças souberam que eu estava concorrendo, e ficaram elétricas. Para elas, as chances de ganhar eram enormes. Só o fato de estar concorrendo já deveria ser suficiente para o meu favoritismo. Foi um choque quando souberam que eu havia ganho só experiência. Eu só tive a dimensão correta do choque quando a minha filha de 7 anos perguntou-me hoje, mais de duas semanas depois do evento, por que afinal eu não havia ganho. Respondi-lhe que os meus números não foram sorteados, só isso. Ela não desistiu e voltou à carga: mas então por que afinal você jogou?
Aquela pergunta pegou-me desprevenido. Como assim, por que eu joguei? Eu joguei para tentar ganhar, ora.

- Mas se você não ganhou, por que jogou?

Essa pergunta, que parece infantil, na verdade é a pergunta que muito investidor se faz depois de perder dinheiro. As perspectivas da bolsa parecem boas, vamos fazer uma fezinha. Algum tempo e desvalorizações depois, o investidor se pergunta: afinal, por que joguei, quer dizer, investi? Se não tivesse feito, teria ainda o meu dinheiro...

Pois é, esse raciocínio tem tanto sentido quanto o da minha filha de 7 anos. Antes de investir, não se sabe o que vai acontecer. É o que chamamos de risco do investimento. Só que o investidor gostaria que houvesse somente risco de ganho. Infelizmente, há também risco de perda. E quando perde, pergunta-se: por que joguei?

A resposta é óbvia: por que antes de jogar não se sabia qual seria o resultado final. Na verdade, o investidor deveria tomar a sua decisão de investimento olhando para o risco, e não para o retorno. O retorno pode acontecer ou não. O risco sempre estará lá. Como em tudo na vida (casamento, investimentos, loteria), a esperança comanda a decisão: olha-se quanto se pode ganhar. Quando se deveria olhar quanto se pode perder. Ou seja, o risco.

- Mas isso é meio covarde, não? Desse jeito nem se sai da cama...

Pode ser. Mas aqui repito um dos axiomas de Zurique de que mais gosto: "Otimismo significa esperar o melhor, mas confiança significa saber como se lidará com o pior".

Ah! e uma última coisa que sempre gosto de repetir, e vocês verão por aqui ad nauseam: não existe bobo nem milagre no mercado financeiro. Se você quer mais retorno, vai ter que assumir mais risco. E risco de perda, que fique bem entendido.

Feliz Ano Novo - o que fazer?

O começo do ano é sempre tempo de balanço e de perspectivas. As pessoas tentam desesperadamente perscrutar o futuro, em busca de sinais que as façam tomar decisões corretas. No caso de investimentos, as perguntas de sempre: quanto vai render a bolsa? E o dólar? Imóveis são uma boa? Obviamente, se eu soubesse, estaria escrevendo este blog da minha casa de praia nas ilhas Seychelles...

Infelizmente, não tenho o dom da profecia. E se você acha que alguém tem, então pode começar a tirar o seu cavalinho da chuva. Não existe. E, se existisse, não estaria vendendo suas previsões em troca de salário. Parece óbvio, não?

Mas mesmo assim continuamos ouvindo o que os consultores de economia têm a dizer. E acreditamos neles, por absoluta falta de alternativa. Vou contar um segredo bombástico, que pode ser chocante para você: os consultores não adivinham o futuro. Eles simplesmente repetem o cenário presente, colocam um pouco de desvio para cá, uma pitada de crise para lá, e dão a isso o nome de futuro. Vejamos um exemplo prático.

Existe um relatório semanal do Banco Central chamado Focus (link aqui). Lá estão as previsões dos analistas para variáveis que vão das taxas de juros até a balança comercial. Só não tem a bolsa. Vejamos o que os analistas diziam no início de 2009 (relatório de 02/01/09) para o ano, e como se compara com o mercado daquele momento e o que realmente aconteceu em 2009:


Veja que fiasco! E não tem nem a desculpa de uma crise imprevisível. A crise já estava instalada há três meses quando essas previsões foram feitas. Note que as previsões aproximam-se muito mais da situação corrente do que a que realmente aconteceu. CQD.

Como eu disse, a bolsa não consta desse relatório. Mas pesquisando um pouco reportagens do final de 2008 (essa aqui por exemplo) você verá que não é muito diferente. No caso, as previsões para o Ibovespa ficaram entre 30% e 40%, muito distante dos quase 80% deste ano. Há um corajoso que previu 90.000 para o final do ano (140% de alta), e até justificou a previsão da maneira correta. Esse acertou. Sempre alguém vai acertar. No relatório FOCUS do Banco Central, os números são médias. Alguns analistas acertam, outros erram de longe. O que não melhora em nada a sua situação: se você não quiser acreditar na média das previsões, terá que escolher o cavalo, ou melhor o analista, vencedor. E isso é tão lotérico quanto tentar adivinhar onde estará o dólar.

- Bem, então o que fazer com o meu rico e suado dinheirinho? Bolsa? Dólar? Colchão?

A resposta não está nas análises das mães Dinah do mercado. Está na análise das suas próprias necessidades e aspirações. O que fazer com o dinheiro depende de você, e não do mercado. Mas isto fica para um próximo post.